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A importância da consciência fonológica e como os pais podem ajudar os filhos a desenvolvê-la

Sexta-feira, 16 Dezembro, 2016

A consciência fonológica é a capacidade metalinguística que permite identificar, analisar e manipular, de forma consciente, a estrutura fonológica da linguagem oral (Sim-Sim, 1998; Freitas, 2004 e Nascimento, 2009).

Esta capacidade permite à criança, de forma voluntária, prestar atenção aos sons da fala e não ao significado da frase. Dessa forma, a criança consegue identificar que o discurso é formado por um conjunto de frases, que estas podem ser segmentadas em palavras, as palavras em sílabas e as sílabas em unidades mínimas – os fonemas.

Por conseguinte, a criança consegue identificar, isolar, manipular, combinar e segmentar (mentalmente e/ou oralmente) os segmentos fonológicos da língua. Por exemplo, a  criança perceber que a palavra “bolo” tem duas sílabas, que a primeira é “bo” e a segunda “lo”. Se trocarmos a ordem das sílabas ficamos com “lobo”, uma nova palavra.

Consciência fonológica e aprendizagem da leitura e escrita

A criança aprende a falar imitando os seus modelos comunicacionais (pais, irmãos, avós, educadores, entre outros), de forma natural, através da interação social.

Aprender a ler e a escrever não é um processo tão natural como aprender a falar (Freitas, Alves e Costa, 2007). Por exemplo: quando o adulto dita uma frase para a criança escrever, esta necessita perceber que a frase é formada por várias palavras com espaços entre elas. Precisa reconhecer que as palavras são formadas por sílabas assim como estas são formadas pelos sons que as compõem.

Exemplo: quando a criança escreve a frase “O gato pula.”, a criança deve perceber que:

  • Nesta frase há dois espaços e um ponto final;
  • O som inicial é /u/ mas deve escrever com “O”;
  • A palavra “gato” tem duas sílabas “ga – to” e a palavra “pula” também;
  • A primeira sílaba de “gato” é “ga”, ou seja, “g + a” e a segunda sílaba é “to”, ou seja, “t + o”;
  • Na palavra “pula”, a primeira sílaba é “pu”, ou seja, “p + u” e a segunda sílaba é “la”, ou seja, “l + a”.

De acordo com os dados do Progress in International Reading Literacy Study (2011), o que prediz o sucesso da aprendizagem na leitura é o conhecimento que a criança tem sobre o alfabeto. Este conhecimento é fornecido através da consciência fonológica. Outros estudos reforçam a influência mútua entre o desenvolvimento da consciência fonológica e a aquisição da linguagem escrita (Lima, 2014).

O desenvolvimento da consciência fonológica não é igual em todas as crianças ...

Cada criança é única e com um desenvolvimento próprio. No entanto, de forma geral, entre os 3 – 4 anos as crianças começam a produzir as rimas de forma lúdica, podendo criar deturpações voluntárias e criar novas palavras (exemplo: “limão/melão” pode dizer “memão”) (Freitas, Alves e Costa, 2007).

Aos 4 anos, as crianças manifestam a capacidade de segmentar palavras compostas por duas sílabas (exemplo: “va-ca”) contudo, revelam maior dificuldade em palavras polissilábicas (exemplo: “e-le-fan-te”). Aos 5 anos, as crianças começam a desenvolver a noção de sílaba e com o aproximar dos 6 anos, as crianças conseguem manipular essas sílabas (Freitas, Alves e Costa, 2007).

A consciência fonológica é uma competência que pode ser desenvolvida de forma lúdica, em contexto formal ou informal. O objetivo das seguintes atividades é promover essa aprendizagem de forma divertida e agradável.

Algumas atividades que promovem a consciência fonológica

Atividade 1- Rimas

  • Em família podem cantar algumas canções com rimas, como “O balão do João”;
  • Dispor vários animais (gato, leão, vaca, cão e pato) e dizer “ga – to” rima com “pa – to” (exagerar na sílaba “to”). Pode-se fazer o mesmo para “cão/leão”;
  • Numa folha com quatro ou cinco imagens, colocar duas que rimem e a criança deve pintar as imagens que rimam;
  • Dizer provérbios e a criança deve descobrir as palavras que rimam. Por exemplo: “Em Abril, águas mil”; “Galinha cantadeira é pouco poedeira”.
  • Esta atividade pode ser usada no quotidiano da família. Pode-se dizer frases reais ou outras absurdas (exemplo: o bolo é tolo”) de modo a que a criança se ria e corrija. Alguns exemplos podem ser enquanto a criança se veste (exemplo: “a meia não é feia”; “o gato/pato usa sapato”), faz a sua higiene pessoal (exemplo: “o pente lava o dente”), no caminho para a escola (exemplo: “vais para a escola e leva a cola/bola”), em passeio (exemplo: “vamos ao parque ver o sol e o caracol”), enquanto a criança come (exemplo: “come o pão com a mão”).

As seguintes atividades estão relacionadas com a noção de sílaba que forma a palavra. No sentido de facilitar essa perceção, é importante que as sílabas sejam representadas fisicamente, por exemplo, recorrendo a lápis, carrinhos, pequenas bolas de brincar ou bater palmas. Pretende-se que a cada representação física corresponda uma sílaba das palavras a treinar.

É importante que as palavras utilizadas, nas seguintes atividades, sejam objetos ou brinquedos (animais, frutas, roupas, bonecos) que a criança goste.

Atividade 2 – Segmentação silábica

  • Escolher um brinquedo / objeto e dizer o seu nome em voz alta (ou perguntar à criança como se chama), por exemplo “vaca”. Depois dividir a palavra em sílabas enquanto bate palmas dizendo “va – ca”, demonstrando que a palavra “vaca” tem duas sílabas;
  • Fazer o exercício anterior trocando as palmas por representações físicas (lápis, carrinhos, bolas pequenas de brincar) e a cada uma corresponde uma sílaba;
  • Durante as refeições pode-se usar vários alimentos como, por exemplo, a batata. Esta deve ser partida em três bocadinhos e dizer “ba-ta-ta” (a cada pedaço de batata corresponde uma sílaba);
  • Esta atividade pode ser usada enquanto a criança se veste, faz a sua higiene pessoal, no caminho para a escola, na praia, em passeios e em tantas outras possibilidades. O importante é que seja lúdico e atrativo.

Atividade 3 – Identificação da sílaba

  • Apontar para o pé da criança e dizer que a palavra “pé” só tem uma sílaba (pé). Fazer o mesmo para outras palavras monossilábicas como “pá”, “eu”, “cão”;
  • Escolher um objeto, dizer o nome em voz alta (ou perguntar à criança como se chama) e dividir essa palavra em sílabas. Perguntar à criança onde está uma sílaba. Por exemplo: a palavra “foca” tem duas sílabas “fo” e “ca”, depois perguntar onde está a primeira sílaba e depois a última;
  • Selecionar um objeto, dizer o nome em voz alta (ou perguntar à criança como se chama) e dividir essa palavra em sílabas. Depois perguntar onde está uma sílaba. Por exemplo: “mo – ran – go” e perguntar onde está “mo”. Depois perguntar onde está o “ran ou o “go”

Nota: o objetivo é começar com palavras monossilábicas ou dissilábicas e de estrutura simples (“pé”, “bola”) e ir progredindo para palavras com mais sílabas e com estrutura mais complexa (“camisola”; “frigorífico”).

Atividade 4 – Nomeação da sílaba

Esta atividade é muito parecida com a atividade anterior de identificação da sílaba, porém nesta atividade pede-se à criança que diga a sílaba em voz alta.

  • Escolher um objeto, dizer o nome em voz alta (ou perguntar à criança como se chama) e dividir essa palavra em sílabas. Depois perguntar como se chama a primeira sílaba. Por exemplo: “to – ma – te” perguntar como se chama a primeira sílaba;
  • Exercício igual ao anterior, mas perguntar como se chama a última sílaba ou a sílaba do meio.

Atividade 5 - Omissão da sílaba inicial

  • Pegar num limão de brincar ou verdadeiro e dizer que a palavra tem duas sílabas “li – mão”, ao retirar a primeira (li) fica a palavra “mão”;
  • Diga, com uma galinha de brincar, que a palavra tem três sílabas “ga – li – nha”, ao retirar a primeira (ga) fica a palavra “linha”;
  • Segurando num sapato de brincar ou num da criança diga que palavra tem três sílabas “sa – pa – to”, ao retirar (sa) fica a palavra “pato”;
  • Com uma ovelha de brincar, dizer que a palavra tem três sílabas “o – ve – lha”, ao retirar a primeira (o) fica a palavra “velha”.

Atividade 6 - Omissão da sílaba final

  • Pata tem duas sílabas “pa – ta”, ao retirar a última (ta) fica a sílaba “pa”;
  • Bolota tem três sílabas “bo – lo – ta”, ao retirar a última (ta) fica a palavra “bolo”;
  • Camisola tem quatro sílabas “ca – mi – so – la”, ao retirar a última (la) fica uma não palavra que é “camiso”.

Atividade 7 - Adição de sílaba inicial ou final de palavra

  • Pato tem duas sílabas, ao juntar a sílaba “sa” antes da palavra “pato” forma-se a palavra “sapato”;
  • Maca tem duas sílabas, ao juntar a sílaba “co” no fim, forma-se a palavra “macaco”.

Conclusão

Existem inúmeras atividades de consciência fonológica, isto porque a consciência fonológica é muito mais que rimas e sílabas. O que se pretende é que através da brincadeira haja um desenvolvimento desta competência, dada a sua importância na aprendizagem da leitura e da escrita.

É crucial que a criança desenvolva a consciência fonológica e outras competências orais antes da aprendizagem da leitura e da escrita. Caso surjam alterações, é pertinente consultar um terapeuta da fala. Este profissional realizará uma rigorosa e aprofundada avaliação.

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Andreia Isabel Ferreira Valentim

Colaboradora da Fisiolar, Mestrado em motricidade orofacial e deglutição, Pós-Graduação em Perturbações Neurológicas da Comunicação do Adulto. Pós-Graduação em Avaliação da Afasia com a BAAL e formação em “Dispraxia Verbal do Desenvolvimento”. Curso de Língua Gestual Portuguesa (Associação Portuguesa de Surdos) e Curso Europeu de Primeiros Socorros (Cruz Vermelha Portuguesa).

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