Fisiolar

Desistir de viver

Sexta-feira, 9 Setembro, 2022

Durante muitos anos associou os picos de humor a fatores hormonais, típicos de uma mulher em idade fértil e de todas as condicionantes da vida adulta mas nunca pensou em desistir de viver. Uma jovem mãe, dois filhos, um trabalho e uma casa para gerir. Visto de fora tinha tudo para ser uma pessoa feliz, um marido de quem gostava, filhos saudáveis, um emprego bem remunerado e uma vida facilitada. Mas a C. não se sentia feliz, tinha dias em que se sentia tão triste que sofria com esse egoísmo aparente que a levava a não querer sair de casa. Mas depois dos dias maus, voltavam os dias bons em que afinal tudo estava bem e não existiam medos nem angústias.

Ao fim de uns anos percebeu que vivia em ciclos e que precisava de ajuda e começou por ser acompanhada por um médico psiquiatra, iniciando uma medicação que a ajudava a compensar. Anos mais tarde descobriu que tinha um cancro na tiróide e a solução foi removê-la, novamente teve que lidar com a descompensação hormonal e voltaram os dias menos bons, nesta altura já os filhos tinham crescido e saído de casa. E foi num ápice que os dias menos bons deram lugar aos dias maus, aqueles em que se escondia num canto da lavandaria, enrolada em posição fetal à espera de nada. O seu estado anímico trazia-lhe vários desconfortos, estava irreconhecível pelo peso que tinha perdido. E cada dia que passava era-lhe mais e mais pesado. A família já não sabia mais como ajudar e aconselharam-se junto da equipa que a acompanhava, um médico psiquiatra e uma psicóloga, era urgente pensar num internamento mas seria complicado pois a C. não aceitava.

E os dias foram passando ...

Mas o tormento da C. era cada vez mais notório, a família sentia-se cada vez mais impotente. Tinham medo, muito medo que algo terrível pudesse acontecer, o que veio a suceder numa manhã solarenga de inverno.

O acordar, para quem sofre de depressão profunda, é sempre um momento crítico, é o momento de enfrentar mais um novo dia, é o relembrar a angústia que a noite fez esquecer, e por vezes faltam as forças. Naquela manhã solarenga de inverno a C. desistiu de sofrer e lançou-se no vazio.

Foi um ato sem volta, mas não foi um ato de egoísmo nem teve como objetivo atingir os outros: foi o resultado de uma doença mental que mata tanto como outra qualquer. Tudo foi feito para a ajudar, mas fica sempre a dúvida se poderia ter sido feito mais ou melhor.

Quem passa por uma situação destas deve pedir ajuda para não carregar um peso que não sendo seu, inevitavelmente deixa marcas profundas.

Desistir de viver nunca é solução

Se precisar de ajuda ligue:
SOS Voz Amiga | Tel. 963 524 660 |Diariamente das 15h30 às 00h30

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Adriana Mesquita

"Contadora de estórias"

Numa taça misturo: um pouco da experiência da minha vida, com factos de outras tantas vidas, adiciono um punhado de emoções e levo tudo para uma folha de papel. No final acontece magia que partilho com quem me lê.

Porquê deslocar-se, se vamos ter consigo?

Uma experiência verdadeiramente conveniente e diferenciadora.
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