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Fisioterapia no Tratamento da Escoliose

Sexta-feira, 5 Janeiro, 2024

Entrevistámos o fisioterapeuta e osteopata Rodrigo Estiveira acerca do papel da Fisioterapia no tratamento da Escoliose.

Leia a entrevista e saiba mais sobre esta patologia, especialmente em crianças e jovens.

O que é a escoliose?

Para podermos falar de escoliose temos de falar também do que entendemos de uma curva normal da coluna vertebral.

Estamos muito habituados a pensar na coluna como uma estrutura reta e vertical mas a coluna tem naturalmente curvas que são fisiológicas e que nos dão uma ideia de mola.

A coluna deverá ser vertical com as curvas a ocorrer num determinado plano. Quando há uma disrupção nesse padrão e a curva começa a ser lateralizada existe a chamada escoliose.

O que é escoliose idiopática?

A escoliose idiopática é considerada uma das formas mais comuns de escoliose e tem este nome por se desconhecer a sua origem.

Pode ocorrer em determinadas alturas do crescimento, nomeadamente pode ser uma escoliose idiopática juvenil ou na adolescência.

Considera-se escoliose idiopática juvenil entre os 4 e 10 anos e escoliose idiopática na adolescência entre os 11 e 18 anos.

Contudo, o que acontece na escoliose é que ela vai desencadear-se e evoluir mais rapidamente durante os picos de crescimento.

Existe alguma causa associada ao aparecimento da escoliose?

Sim, podem existir várias causas.

Como referi antes, a escoliose quando é idiopática, não tem uma causa concreta associada.

Contudo, existem sim causas que vão ser estudadas e estas podem ser genéticas, hereditárias, hormonais ou apenas mecânicas.

Que fatores podem contribuir para o desenvolvimento da escoliose?

Para responder vou desenvolver as tais causas que falamos anteriormente.

Começando pelas causas genéticas/hereditárias, se existir um histórico familiar há uma maior predisposição e incidência de escoliose.

A nível hormonal, o aparecimento pode ocorrer num período de desenvolvimento rápido ou durante os picos hormonais na adolescência, nomeadamente pela produção de estrogénios e melatonina que são responsáveis pelo crescimento ósseo e remodelação. É justamente nestes picos de crescimento e alterações hormonais que existe um maior desenvolvimento da escoliose, quando esta já existe.

Relativamente à causa mecânica, se houver uma alteração no crescimento ósseo pode acontecer uma vértebra começar a crescer de forma assimétrica e causar uma disrupção na curva, tanto nas vértebras subjacentes quanto sobrejacentes, criando um efeito coloidal e causando as curvas conhecidas como escoliose.

Em que idade é mais comum o aparecimento ou desenvolvimento da escoliose?

Esta é uma resposta importante para os pais.

O aparecimento ou desenvolvimento da escoliose é mais frequente nos picos de crescimento falados anteriormente.

Contudo, é importante referir que existe uma margem de crescimento rápido em que as raparigas são mais precoces. Se pensarmos na idade juvenil nas raparigas é dos 6 aos 8 anos enquanto nos rapazes é dos 7 aos 9 anos. Outro pico de crescimento também muito rápido é na adolescência entre os 11 e os 13 anos nas raparigas e os 12 e os 14 nos rapazes. É justamente nesta altura que os pais devem estar atentos e serem sensíveis ao verem algum tipo de deformidade. Os sinais de alerta podem ser algo tão simples como um ombro mais alto ou quando a criança se dobra ver-se uma deformidade nas costas.

A escoliose tem tratamento?

Sim, a escoliose tem tratamento, que pode ser conservador ou cirúrgico.

Segundo a SOSORT, que é a sociedade que investiga e dá as guidelines para a escoliose, o primeiro e principal objetivo do tratamento da escoliose é evitar a sua progressão. Isto já por si, parece um pouco “desencorajador”, mas há tratamento.

O tratamento conservador implica duas abordagens: Exercícios específicos em fisioterapia para o tratamento de escoliose e a utilização do colete ortopédico, que é neste momento o melhor meio conservador para tratamento da escoliose.

A utilização do colete obriga a regras específicas para ser usado, nomeadamente quando a curva pode atingir mais de 25 graus. Antes disso, a avaliação da escoliose faz-se a partir dos 10 graus de ângulo de Cobb, que é um ângulo específico para a avaliação da escoliose, e nesta fase são necessários os exercícios específicos para o tratamento de escoliose, para prevenir a evolução.

Com o uso do colete também são necessários os exercícios específicos para o tratamento de escoliose, para potenciar o seu efeito.

Como último recurso temos a cirurgia, que é ponderada, pois tem de ser discutida com o médico e é realizada a partir dos 50 graus de ângulo de Cobb. Com esta curva conseguimos prever que há uma maior probabilidade de uma criança em adulto vir a desenvolver dor ou alterações respiratórias e só por isso é que se pondera uma cirurgia de correção.

Em que fase da escoliose se deve procurar a ajuda de um fisioterapeuta?

Assim o que é diagnosticada pois a partir daí a fisioterapia pode e deve intervir.

Contudo, o fisioterapeuta pode também ser muito útil na avaliação e no diagnóstico.

Como é que a fisioterapia pode ajudar a evitar a progressão da Escoliose?

Vamos falar de exercícios.

A abordagem que é usada no tratamento da escoliose é uma abordagem muito específica porque envolve exercícios de fortalecimento, flexibilidade, auto consciencialização do corpo e de respiração dirigida.

Todas estas componentes de exercícios vão contrariar a curva da escoliose, o que quer dizer que a criança vai ser formada para aprender, de forma autónoma, a corrigir a própria curva com base nos alongamentos, no fortalecimento e na ventilação dirigida.

Estes exercícios de fisioterapia vão capacitar a criança para fazer o mesmo que faz um colete, mas de forma ativa, ou seja, a criança vai ser capaz de reverter a curva e alinhar-se. A criança vai ser encorajada, em todas as situações do seu dia a dia, a fazer essa correção o maior tempo possível.

Mesmo com a utilização de colete é necessário intervir com exercícios porque não basta a correção passiva. É necessária a aprendizagem por parte da criança, com um treino específico, que irá fazer com que toda a musculatura esteja preparada para a correção, caso contrário ao tirarmos o colete é previsível acontecer um pequeno colapso.

Existem atividades físicas recomendadas para quem tem escoliose?

Em primeiro lugar, atividades físicas ou desportivas não são métodos de correção de escoliose. Por vezes as pessoas pensam, “ok, vai fazer natação, vai praticar desporto e o problema fica resolvido”, infelizmente não e não deverá ser usado em substituição do método de tratamento estabelecido.

O exercício físico é recomendado pois tem um conjunto de benefícios que são importantes para a criança, dando-lhe mais capacidade aeróbica, melhor perceção do corpo, maior controlo motor e fortalecimento, e isso é uma vantagem grande que não deve ser menosprezada.

É também importante dizer que não existem modalidades que sejam contra indicadas. Não existem evidências para dizer que uma determinada modalidade pode agravar a escoliose. Contudo há uma reserva a respeito de modalidades que tenham um forte impacto ou que tenham contacto forte, que sejam extremamente dinâmicas ou que exijam uma grande flexibilidade da coluna. Isto especialmente numa altura que é muito sensível, que são os picos de crescimento de uma criança.

Quais são os picos de crescimento das crianças?

Nas raparigas entre os 6 e os 8 anos e mais tarde entre os 11 e os 13 anos, nos rapazes, entre os 7 e os 9 anos e mais tarde entre os 12 e os 14 anos. Estas são as alturas chave para estar um pouco mais atento ao crescimento da criança porque a escoliose pode desenvolver-se em 2/3 meses, os miúdos crescem muito rápido.

A adolescência é uma altura sensível pois os pais têm pudor em olhar os filhos e os filhos têm pudor em ser olhados pelos pais. Há uma intimidade que é respeitada em casa e também há uma privacidade que é conquistada pelo adolescente. A possibilidade de haver um pai que observa o corpo do filho é muito menor.

Portanto, se a escoliose se estiver a desenvolver na altura do verão, é mais fácil perceber as alterações e os pais acabam por consultar o pediatra ou um fisioterapeuta para que seja observado de forma mais célere.

No inverno é mais complicado os pais conseguirem ver se há deformidade ou não, uma vez que os miúdos andam mais encasacados. Como crianças que são, não têm perceção do corpo que ainda está em crescimento e por isso não reparam nos sinais de alerta. A imagem que têm deles próprios é a refletida pelo espelho numa imagem frontal, não vêem o que se passa nas suas costas e isso faz com que facilmente a escoliose se agrave dos 10º para os 25º ou 30º muito rapidamente.

Quanto mais tarde estas curvas são descobertas, menor é a probabilidade de taxa de correção, portanto a avaliação atempada irá influenciar a taxa de sucesso do tratamento.

A avaliação nas crianças por parte do fisioterapeuta ou do pediatra deverá ser precoce, para que se detetem estas curvas mais depressa e se tenha a criança sob observação. Se eu for colocar o colete a uma criança ou a puser a fazer exercícios tendo uma curva de 20º, a minha taxa de sucesso para que aquela curva reverta ou se mantenha estacionária é muito maior. Se apanho uma curva com 30º ou 40º, os resultados são mais pobres e muito mais frustrantes.

Quais são as limitações de quem vive com uma escoliose?

Há duas limitações importantes.

As limitações físicas pois existem alterações na mobilidade e na flexibilidade. O facto de haver um desvio também proporciona desequilíbrios e isso pode tornar, por exemplo, a prática de desporto mais desafiadora.

Outra questão, não menos importante, que pode ou não ser considerada uma limitação, é o facto de uma criança que está na fase de crescimento em que a autoimagem é importante, o facto de ter a noção que tem uma deformidade, pode desencadear sentimentos de ansiedade, frustração ou até mesmo levar a um estado de depressão.

A escoliose pode causar dor?

A escoliose pode provocar desconforto, não diria dor.

A dor pode surgir mais tarde, numa fase adulta e só em situações muito extremas, ou seja, se houver uma curva muito grande. Felizmente não estamos a ter uma incidência de curvas tão grande como já vimos no passado.

Portanto sim existe dor, numa fase adulta e por isso se propõe cirurgia em curvas superiores a 50º.

Quanto tempo pode demorar o tratamento de uma Escoliose?

O tratamento de uma escoliose pode demorar de 6 meses até à fase de crescimento rápido, até à maturação esquelética.

Existe uma janela em que podemos abordar e tratar, uma janela de recuperação porque o esqueleto não está ainda maduro mas existe também uma janela em que existe maior deformidade, onde há probabilidade de progredir de forma desfavorável.

Portanto, quando uma criança entra num programa de tratamento ou de avaliação, a cada dois meses deverá haver uma reavaliação visual com fotografias e com o escoliómetro, que é um instrumento de medida simples e não invasivo, para ver se existe uma deformidade maior ou não das costas. E depois, ao fim de 6 meses, o raio-x deve ser repetido para perceber se a situação se está a agravar ou não.

Não podemos correr o risco de abandonar o tratamento quando ainda há uma margem de crescimento ósseo, que é avaliado pela escala de Risser que mede se ainda há espaço para crescimento esquelético naquela criança e, tem de ser acompanhada até a altura da maturação esquelética.

Nesta fase em que estamos a tratar, que é a fase de crescimento ósseo até à maturação esquelética, se for feita em correção temos probabilidade de recuperação. Caso contrário, se tirarmos tudo o que são apoios estruturais como a correção ativa da criança, colete e exercícios numa altura em que temos ainda uma coluna flexível e em crescimento, a probabilidade é que exista um agravamento e regressão.

Podemos então pensar em ⅔ anos de recuperação numa fase mais ativa.

Rodrigo, muito obrigada pelos seus esclarecimentos aqui, relativamente à escoliose.

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Alexandra Lopes

Fisioterapeuta da Fisiolar, licenciada em Fisioterapia pela Escola Superior de Saúde de Setúbal em 2004, Mestre na especialidade de Ciências da Fisioterapia pela Faculdade de Motricidade Humana em 2009 e Master em Técnicas Osteopáticas do Aparelho Locomotor pela Escuela de Osteopatia de Madrid em 2010.

Porquê deslocar-se, se vamos ter consigo?

Uma experiência verdadeiramente conveniente e diferenciadora.
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