Vários.
Posso dizer que o maior, ele ainda não tinha 1 ano, fomos ao hospital mudar a cânula, que é preciso mudar com periodicidade. Esta cânula é um objeto de silicone que tem um tubo que entra e fica com uma saída, onde se liga o oxigénio, onde se aspira as secreções, etc e depois tem uma fita de velcro para mantê-la no sítio e não sair. Nós sabíamos que se a cânula saísse, a traqueia do Francisco colapsaria.
Certo dia, vou com a minha mãe ao hospital, a médica faz a mudança, a minha mãe deixa-nos em casa e, de repente, vejo o Francisco a ficar roxo e a espumar da boca. Ele estava sempre ligado a um monitor cardiorrespiratório mas na altura ainda não estava porque tínhamos mesmo acabado de chegar, ia trocar-lhe a roupa.
Começo a vê-lo a ficar roxo, a espumar, a tentar chorar, muito desorganizado, só que a fita continuava apertada, o tubo saiu mas não se via. Primeiro tive que perceber o que se passava, que o tubo tinha saído e era a traqueia a colapsar, sabia que tinha muito pouco tempo para voltar a canular. Só tinha a formação, pego nas coisas , deito-o, canulo, aumento o oxigénio para ele recuperar, consegui canular felizmente, ligo-o ao monitor, sento-me com ele na cama ao colo, desato a chorar, ligo à neonatologista, ela felizmente atendeu, expliquei o que aconteceu e o que fiz e disse que me tinha esquecido das luvas esterilizadas e que tinha medo de lhe poder passar alguma coisa ao que ela responde “Marta, acabou de salvar a vida do seu filho, esqueça lá as luvas, a gente aguenta qualquer bicharoco que venha”.
Entretanto o Francisco adormeceu mas não o consegui tirar do colo, ligo ao pai do Francisco, ele vem a correr e assim que ele chega a casa, eu passo-lhe o Francisco para o colo, vou a correr para a casa de banho e vomito, vomito, vomito. Eu acho que até ter canulado e apertado a fita, não respirei. Na minha cabeça, enquanto estava a fazer tudo isto, só pensava que se ligasse ao INEM não iam chegar a tempo, se ligasse à neonatologista ela ia dizer aquilo que eu já sabia, se ligasse ao meu marido ele não pode fazer nada… E só quando fechei a fita é que pensei “respira”.
Posso dizer que se passaram 8 anos e ainda hoje tenho pesadelos com essa cena.
Foi o pior susto, fora os sustos do hospital que foram muitos, aqui eu estava só comigo e dependente de mim.
Quando nasce um filho, encarnamos a mãe leoa e levamos à frente o que for necessário e nestas situações ainda mais, tinha que proteger o meu filho que estava ali tão frágil.
Eu dizia muitas vezes que não era boa para ser mãe, eu era a médica, a enfermeira, a terapeuta, mas mãe era muito pouco. Passava o dia à volta das medicações, do oxigénio, dos aerossóis, da fisioterapia e achava que não tinha instinto maternal em mim. Depois de isto acontecer, falei com uma amiga que me disse “Estás a ver? E dizes tu que não tens instinto maternal. Isso foi a mãe que veio cá para fora e resolveu.”
O Francisco voltou a descanular-se mais algumas vezes, mas já mais crescido e já não havia esse perigo da traqueia colapsar tão rapidamente.
Nunca me vou esquecer.